21 dezembro 2006

Corrida de Nuvens

- Eu escolho aquela que parece o Bob Esponja! Exclamou entusiasmada.
- Eu fico com aquela outra que parece o carro do Peter Perfeito, completei.

E ficamos, minha filha e eu, em acordo silencioso no qual eu não tinha idéia quem era o Bob Esponja ou qual nuvem se lhe assemelhava e vice-versa. Afinal, Peter Perfeito, o galã da corrida maluca, não era parte do imaginário daquela criança que cumpria quatro anos em pleno século 21, com a qual eu havia apostado um sorvete para ver qual nuvem ganharia a corrida. Inclusive porque, obviamente, a nuvem dela iria ganhar independente do comportamento dos ventos, das correntes de ar, dos aviões e pássaros que cruzassem o caminho, ou de quaisquer outras forças da natureza que pudessem interferir, pois nenhuma delas seria capaz de abalar a imaginação da criança que monta à sua própria maneira o quebra-cabeça da vida de forma a ganhar o sorvete de maracujá, tão sonhado naquele instante. Aquele sorvete, naquele instante, é o horizonte máximo da criança, é o sonho maior, maior que casa própria, que casar de véu e grinalda, maior que viajar pra lua.

As nuvens naquele dia estavam correndo mais rápido, causando diferentes impressões nos espectadores. Para mim, dava a impressão de que eu estava velho, o tempo passando, os anos passando, as nuvens correndo. Para ela, as nuvens estavam apostando quem chegava mais rápido no Ceará. "No Ceará?", perguntei. E ela respondeu, segura: "No Ceará. É onde elas vão chover.". Bonito o pretenso destino das nuvens, pensei, após minha filha versar sobre a seca do sertão, para meu espanto e orgulho – nessa ordem –, provavelmente papagaiando algum telejornal.

A imaginação livre da criança é sempre um reaprendizado. É colocar as coisas novamente sob uma velha perspectiva. Repensar: será que as coisas não são, na verdade, mais simples? Será que as nuvens não estão, de fato, indo pro Ceará? Será que o sorvete não é a coisa mais importante que temos para resolver agora? Em meio a tantos assuntos, preocupações que afligem o Homem adulto, tanto os pequenos quanto os grandes prazeres e realizações da vida ficam, muitas vezes, ofuscados: o sujeito precisa entregar um relatório e passa a noite no escritório bem quando o filho fala a primeira palavra; a esposa não quer viajar para a praia porque quer ir para o SPA e perde a primeira vez que a criança vê o mar; o pai está em viagem de trabalho quando a mãe entra em parto e o cunhado tem que levá-la ao hospital; a mãe conhece melhor o filho da personagem da telenovela que o próprio filho; enfim, são exemplos de conflitos que mesmo a óbvia hollywood já cansou de retratar.

O que realmente importa nestes momentos é fazer-se um par de tranças ou colocar um esfarrapado boné na cabeça e conversar a conversa da criança. E, com isso, ganhar em dobro: por um lado nivelar um diálogo fluido com a criança e por outro lapidar a possibilidade de reinventar as coisas, conceitos, fins e meios em nossa vida.

São Paulo, Dezembro de 2006