01 março 2006

ANJO

A gente vive tantos dias, dentre os 365 (ou 366) de cada ano, ao longo de tantos anos, que precisa bom motivo para guardar um. Um nascimento, uma morte, um sacrifício, uma revolução, um acontecimento social, comunitário ou pessoal. Todas as pessoas têm sua lista de datas comemorativas, que lembram algo especial. Para mim o dia 27 de Julho de 1999, não marca nascimento, morte, mas um descobrimento. Foi o dia em que conheci um anjo.

Era anjo pelo jeito de andar, leve, seguro. Era anjo pela voz. Tinha uma voz mais que doce, era terna, era graciosa, quase como um agrado de mãe, mais parecia um suspiro.
Suas mãos eram definitivamente as mãos de um anjo. Eram mãos imaculadas, macias, não havia nada de pintura, sujeira ou aspereza. Havia naquelas mãos qualquer coisa de sublime, de alquímico, que abrandava o que quer que tocasse.

Era um ser lindo, espontâneo, iluminado, seus olhos eram verdade, seu sorriso era esperança. Por onde passava o anjo despertava o que havia de melhor em cada. Preocupado, estava sempre disposto a ajudar o próximo. O anjo era mágico, sublime. Sua presença era música, harmonia.

Inspirado, passei a tentar me aproximar, estar sempre perto dele, por vezes até tentando imitá-lo, calado, observando, observando. O anjo era sutil e doce, ao mesmo tempo firme e decidido, ia atrás do que queria, sempre medindo suas ações para não machucar os demais. Servia aos outros antes de servir-se ainda que isso significasse ficar sem nada.

Então finalmente conheci, conversei. Seus olhos temperavam as palavras e os gestos e meus olhos acompanhavam seus olhos aonde quer que fossem. Não lembro de nenhuma palavra, apenas dos olhos. Talvez não houvesse palavras no final das contas, apenas olhos.

Começamos a nos encontrar mais freqüentemente. Aquela presença passou a constituir uma necessidade narcótica em minha vida. Um olhar, uma palavra, um toque, um simples toque me drenava todos os males: eu parava de pensar, eu parava de odiar, eu parava de invejar, eu parava o mundo. Quando voltava a soledade, sentia-me pleno por apenas um curto período. Logo precisava de outra dose. Cada vez o período era mais curto. Primeiro semanas, logo dias, logo horas.

Um dia vi aquele anjo de uma maneira diferente. Sua voz continuava doce, o olhar suave, o toque mágico. Mas havia algo. O anjo sentia, ainda que sutilmente, escondido, dor, pena, ciúme, raiva... o anjo sentia fome, saudades, sono.

Não eram olhos de anjo, era o olhar.

Não era a voz de um anjo, era a maneira de falar.

Não eram mãos de anjo, era o toque.

Os olhos eram olhos, a voz era voz e as mãos eram mãos. Percebi que o anjo não era senão uma mulher. Então casei.

Setembro de 2000

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