17 março 2006

Saca-Rolha

Os amigos e conhecidos menos próximos custavam a entender. Como é que Léo, um cara tão boa pinta, agradável, 30 e poucos, bem-sucedido, família íntegra, valores no lugar, enfim, um partidaço, não conseguia estabilizar com companheira alguma. Sei que do jeito que andam as coisas hoje em dia muitos arriscariam que ele fosse gay, mas não era o caso. Saía com beldades, mulheres interessantes e desejáveis e sempre pareciam o melhor casal do mundo. Porém ele pouco saía com outros casais, grupos de amigos, saía apenas com a mulher. De repente terminavam e ela desaparecia. Ele não apresentava para ninguém as mulheres nem nunca saía com mulheres de conhecidos – tipo prima, amiga, irmã –, dizia não dar sorte. Sua família reclamava que nunca levara uma namorada para jantar em casa nem nada e ele contestava que só o faria quando soubesse que era a escolhida.

Além destas peculiaridades, outros rumores estranhos cercavam os relacionamentos de Léo. Nunca terminava um relacionamento numa boa, a menina nunca era incorporada ao grupo de amigos. Justo ele, de temperamento tão ameno. Uma ou outra vez que houve contato entre os amigos e a namoradinha foi constatado, por exemplo, que ele usara nomes falsos: André, Estevan, Amílcar, Ronaldo, Marcos e assim por diante.

Eu, como melhor amigo dele, posso confessar agora para vocês qual era o problema que ocasionava toda essa estranheza: o pênis saca-rolha. Pois é, Léo tinha um pênis em formato de saca-rolha. Só eu e mais um ou dois chapas sabíamos de seu infortúnio fisiológico. Não é pra menos que apavorava as moças de quando em quando. Não é pra menos que ele usava nome falso. E não é pra menos que ele enchia a cara no Carnaval e saía cantando aquela marchinha "...eu passo a mão na saca, saca, saca, saca-rolha, e bebo até me afogar...".

Usava nome falso e não apresentava as meninas Evitava assim de espalhar a notícia para não ficar famoso na praça. Claro que uma ou outra dedava seu reprodutor pitoresco, mas com nome falso ficava sempre a impressão de que era mentira ou que a menina estivesse confundindo e falando de outra pessoa. De qualquer jeito, como ele era um cara bacana, todos faziam questão de lhe dar um desconto e acreditar nele a princípio, como se mais quisessem do que devessem crê-lo.

Léo continuou pulando de galho em galho, desesperançado, até que conheceu uma moça bonita, mais bonita que o habitual, interessante, solteira, ar tímido, com todos os traços que ele mais gostava. Ficou em dúvida, como sempre, porque já tinha sofrido muita desilusão. Pensou se não era bom demais para ser verdade, muita areia pro caminhão dele e coisa e tal. Pensou no tormento que seria caso se envolvesse e ela disparasse a gargalhar na hora do "vamo-vê". Tomou conhaque e tomou coragem quando percebeu que ela estava flertando acintosamente, ainda que com um quê de recato que só fazia enternecer seu jeito doce.

Ela foi bastante simpática, porém parecia se resguardar. Léo desconfiou de sua fama. Mas julgou que valia a pena arriscar porque a menina era muito especial. "Prazer: Luciméia.". Ele não gostou muito do nome, mas vá lá... Ele mesmo estava ficando sem nomes bonitos para se apresentar, todos já gastos com outras pequenas, e se introduziu como "Elesnir".

Os dois saíram algumas vezes, se conheceram pouco a pouco. Faziam um casal lindo, os amigos diziam. O papo era bom, o beijo era bom, o cheiro era bom. Um mostrava seu mundo ao outro e juntos se impressionavam com as pequenas intersecções, apelidadas de coincidências, como todos os casais em início de relacionamento.

O tempo foi passando e o relacionamento foi esquentando. E Léo começou a ficar preocupado, pois estava verdadeiramente envolvido com a Luciméia, apaixonado de verdade, e quando eles começavam a se beijar mais ardentemente começava a angústia do maldito pênis saca-rolha. Por isso ele sempre a encontrava em lugar público, numa tentativa ingênua de driblar a natureza sexual da relação conjugal com pizza, piadas, peça, pipoca e passeio no parque.

Um dia a Elesnir o convidou para um íntimo jantar à luz de velas e colocando-o em uma situação impossível de recusar. Disse que queria conversar a dois, em clima íntimo, e Léo desesperou. Mas foi. Consultou doze urologistas e doze cirurgiões plásticos – como já havia feito anteriormente – em busca de uma nova tecnologia que destorcesse seu membro, em vão.

Chegou a noite. Como era de se esperar, o clima foi esquentando. As preliminares foram delicadas, românticas, como não podia deixar de ser, pois Léo era delicado e Luciméia também. Não obstante o clima ficou caliente. Percebia-se uma relação muito especial por nascer, povoada de sentimento, mas regada com o desejo contido de Léo. Comeram maravilhosamente bem o salmão grelhado com alcaparras e etcetera. Trocaram carícias. Regaram as carícias com algumas taças de vinho. Beijaram. Comeram sobremesa. Conversaram. Tomaram licor de jenipapo. Léo estava tão envolvido que já tinha praticamente esquecido a questão peniana, absorto e hipnotizado que estava pela situação. Nesse clima quase onírico Luciméia delicadamente recuou, sorrindo suavemente. Disse então que gostava muito dele e perguntou sobre como ele se sentia. Léo – ou melhor, Elesnir – se prontificou a atestar a reciprocidade. Ela então, meio sem jeito, começou a enrubescer e tentar explicar algo, mas tinha dificuldade. Resolveu então ser direta:

- É o seguinte – disse sem mais delongas – Meu nome não é Luciméia, é Tatiana. E minha vagina tem forma de redemoinho. Pronto, disse.

E os dois então casaram e foram felizes para sempre.


Março de 2006

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