08 março 2006

Onze do Onze

Será que esta noite chuvosa de 11 do 11 marcará a volta da minha insônia?

Um mês antes do casamento de minha prima, dois meses antes do aniversário de meu casamento, um mês depois do aniversário de meu irmão ou dois meses depois do onze do nove? Numerologia à parte, claro que essa bobagem toda já denuncia um bom tempo pensando em tudo e pensando em nada. E já que não sei meditar, fato consumado: estou insone.

Estava já com algum tipo de saudades, devia fazer alguns dez anos que não tinha crises de insônia – ou seriam 11 anos? –, aquelas profundas maravilhosas agônicas crises de insônia. Insônia “meia-boca” que não dá nem pra contar ovelhinhas; insônia “só põe a cabecinha”, em que você pensa que não vai dormir a noite inteira, já quer xingar meio mundo, e de repente acorda todo babado; insônia “fuma, mas não traga”; e finalmente a tão gloriosa insônia “Full-house”, “Xeque-mate”, “Touch-down”, “Home-run”, “barba e cabelo” e outras metáforas mais. Esta é aquela que te deixa de vigília, sem bocejo sequer para lubrificar a cachola, pensando, claro, em nada e em tudo. Daquelas que, se não tiver acontecido nada suficientemente bom nas últimas 24 horas da vítima, é suicídio na certa. No mínimo resulta em umas drugs, uma sessão de tortura na TV aberta – que eu incluiria junto com as drugs, não fizesse tão mal – ou no mínimo uma quebra na dieta para satisfazer alguma carência afetiva.

A insônia pode ter distintas conseqüências para cada tipo de cidadão. No caso do artista, a insônia pode ser bastante proveitosa, em alguma medida inspiradora. Um momento de profunda reflexão faz bem ao ato criativo. Deve, porém, ser uma insônia natural, verdadeira, autêntica, solitária, senão não será uma insônia saudável. Conheço um figura que ficou 7 dias sem dormir enquanto cursava artes plásticas na USP com o objetivo de forçar os limites da consciência e produzir algo genial. O melhor que ele produziu durante a vigília foi um par de quadros que nem a mãe gostou e uma tremenda olheira que, essa sim, chamou a atenção da mãe. No caso do artista, no entanto, a recomendação é que tenha acontecido algo de extraordinário nos últimos 60 minutos, pois é uma categoria de gente mais suscetível. Senão, já sabe: suicida.

No caso do boêmio, a insônia é parte do cotidiano. Pode até vir a ser um recurso para os mais alcoólatras: Se o sujeito fica a noite toda manguaçando e, quando finalmente alcança a casa, lá pelas 8 da manhã, não consegue dormir de tanto vomitar no tapete da sala, quem sabe mais tarde, ao chegar a noite, bate o sono e ele se salva de um novo papelão?

Mas a insônia é realmente um problema, no fundo, para o sujeito normal, mediano, como eu. Não tenho arte pra fazer, não bebo por conta da minha gastrite e não teria nunca a manha de suicidar. A única conseqüência da minha insônia é a proliferação de maus tratos e palavrões aos que chegarem perto, misturados ao pingado do café da manhã. Tento chazinho, leite quente... já mandei até chá de camomila com conhaque Presidente para aplacar a maldita, mas só rendeu foi os resmungues da patroa na cama contra o bafo de cachaça barata.

Em um momento de devaneio absoluto apalpei minha esposa na esperança que ela estivesse imersa em algum sonho muito erótico – ou qualquer coisa muito diferente de nossa realidade frígida. Podia até ser sonho com o amante, não me importava, só torci para ela virar e me brindar com uma chupadinha de ninar. Ganhei, claro, uma cotovelada na madeixa e mais resmungues de que não era hora – acho, na verdade, que a hora já tinha passado havia anos. O pior é que agora, além da insônia, tinha um pau duro pra resolver.

Como não poderia deixar de ser, fui castigar uma no banheiro, pensando em uma das bundas mais ou menos gostosas – de povo mesmo, não de revista – que tinha subido a escada do metrô na minha frente naquela tarde de terça-feira. Talvez tenha sido esta a felicidade que me salvou durante esta noite, mesmo apesar de que continuo duvidando de que eu tivesse colhões para me matar. Mesmo que não de suicídio heróico, dramático, como presidentes e poetas o fazem, um suicidiozinho anônimo, assim, umas pastilhas, um veneno de rato... Não, nem isso eu conseguiria. Meu destino era sofrer, sentir cada músculo do meu corpo ficando segundos mais velho, inerte, com a boca cheia de dentes esperando a morte chegar.

Voltei à cama, coloquei a coberta.
Tirei a coberta.


Coloquei a coberta.
Me virei para o outro lado.

Tirei a coberta.

Tirei a meia.
Tomei água.


Coloquei a coberta.

Virei para o outro lado. (Bem que poderia haver mais lados)

Enquanto isso eu seguia espantando os pensamentos que me bombardeavam tentando me fazer pensar sobre quem eu era de verdade, quem eu queria ser, o que eu fazia, o que queria da vida, essas coisas chatas.

Levantei, fui ao banheiro. Tentei de novo a bunda do metrô. Nem isso funcionou. Um bom motivo agora sim, para ter insônia. E dizer que já tinha tido performances memoráveis como aquela noite em que trepei a noite inteira com duas mulheres e gozei sete vezes... Sete? Ou teriam sido 11? Ou onze mulheres? Ou ainda uma mulher, uma vez, e 1 mais 1 é igual a 11? Já não raciocino direito, os números parecem com as letras e as letras parecem desenhos, os desenhos se fundem em formas...

- Acorda, já são seis horas!

Quisera dormir até as onze...

Vargem Grande Paulista, 11 do 11 de 2004

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